Resenha: Apenas uma garota (Meredith Russo)

Minha nota: 
Nome: Apenas uma garota
Autor(a): Meredith Russo
Editora: Intrínseca
Livro no Skoob

Com uma leitura bem leve e que parece totalmente descompromissada, este livro traz, a cada capítulo, uma nova lição através de um olhar que não estamos habituados a ler. Na verdade esse é apenas o segundo livro que leio com um personagem trans no papel principal, o que se configura numa porcentagem mínima, se comparado aos livros que já li.

Medo, insegurança, incapacidade de imaginar um futuro que não fosse como uma linda mulher, Andrew sofre a cada dia com seu corpo desde criança. Ele sempre soube que não era ele, mas sim ela. Mas como poderia aflorar a mulher que estava dentro dele sem que isso não trouxesse consequências drásticas para sua vida?

Sua vida foi desmoronando aos poucos enquanto seus pais descobriam, enquanto ele vinha apanhando por héteros escrotos no colégio e enquanto cada vez mais ele queria sair daquele corpo ao qual não pertencia. Foi então que tudo aquilo subiu à sua cabeça e o fez tentar se suicidar quando estava no segundo ano do ensino médio.

Depois que conseguiu escapar, Andrew não aceitaria mais ser um garoto. Ele precisava fazer a transferência de sexo e deixar seu passado onde ele deveria estar: no passado. Isso acontece de forma alternada no livro, onde a história principal se passa no presente, onde Andrew agora é Amanda, e no passado, onde mostra os maiores medos e consequências do personagem antes da cirurgia.

Amanda agora está querendo virar a página e deixar tudo do seu passado para trás. Ela muda de cidade e vai morar com seu pai, em uma cidade distante da que morava com sua mãe, para terminar de cursar o ensino médio. Ninguém a conhecia, então ela simplesmente começou uma experiência jamais antes vivida: ela começou a viver como realmente era, uma garota.

Ainda há alguns conflitos e inseguranças na relação dela com o pai, mas isso vai se resolvendo gradativamente ao longo da narrativa. Amanda entra pra escola e começa a ter aquela velha e habitual rotina de uma adolescente norte-americana no ensino médio. Encontra amigas novas e, mais além disso, algo que ela se privara por tanto tempo, um garoto por quem começa a nutrir sentimentos.

Em sua cabeça, ter esses sentimentos era errado. Ela não podia se relacionar com alguém que não conhecesse o seu passado, ela não queria ter que revelar os seus segredos para Grant, mas era tarde demais, Amanda já estava completamente caidinha pelo jogador de futebol americano. Seus instintos falavam que ele era o típico estereótipo de pessoas que já a maltrataram, mas ela sente que com ele é diferente, há algo diferente nele que a faz o querer cada vez mais.

Imersos nos segredos de Amanda, começamos a perceber que não é só ela que guarda segredos. Na verdade, todo mundo guarda algum tipo de segredo, e é por isso que percebemos o quanto somos bobos por achar que isso é um erro. É apenas uma decisão, uma escolha.

É decisão exclusivamente dela se quiser contar seu passado para alguém, e não será errado se decidir não contar. Porém, contar pra pessoa errada pode trazer sérios riscos na hora de guardar esse segredo, pois o ser humano pode nos surpreender. Nunca podemos confiar cem por cento nas pessoas, elas geralmente pensam em si mesmas antes de perceber que podem machucar alguém.

Não foi do jeito que Amanda esperava, mas uma hora ou outra Grant acabaria descobrindo sobre sua transsexualidade. É algo muito delicado de lidar para ambas as partes e isso nos faz perceber o quão difícil é a realidade dessas pessoas trans. Existe um processo não somente na cabeça de quem passa por isso, mas também na cabeça das pessoas ao redor.

Acabamos a história de Amanda sem muitas certezas, o que não deixa de ser coerente, já que a vida é uma tela de incoerência, ainda mais para pessoas trans, que lutam diariamente pelo seu espaço na sociedade. Nada é fácil, mas ela luta pelo que ela quer e acredita. No fim, tudo fica bem, mas é apenas uma ficção. Pessoas como a Amanda morrem todos os dias e são julgadas negativamente. É nosso dever tentar mudar o mundo para que mais histórias reais terminem como a da Amanda.

Marlon Gonçalves

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